quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Reflexões de Salvatore Santagada

Indicadores sociais: uma primeira abordagem social e histórica
por Salvatore Santagada
3.4 – Anos 90 até a atualidade: revitalização dos estudos no campo dos indicadores sociais
Desde os anos 90 e na atualidade existe uma revitalização (Schrader, 2002, p.18) do movimento de indicadores sociais, marcando a sua quarta etapa. Eles passam a ser elaborados e monitorados especialmente pelos órgãos das Nações Unidas e incentivados pelos diferentes cúpulas, acordos, pactos[1] e conferências: educação para todos (Jomtien, 1990) sobre a infância (Nova York, 1990), sobre o meio ambiente e desenvolvimento (Rio de Janeiro, 1992)[2], sobre os direitos humanos (Viena, 1993), sobre população e desenvolvimento (Cairo, 1994), sobre desenvolvimento social (Copenhague, 1995)[3], sobre a mulher, desenvolvimento e paz (Beijing, 1995), sobre assentamentos humanos – habitat 2 (Istambul, 1996), sobre a juventude (Lisboa, 1998), cúpula do milênio (Nova York, 2000), sobre os países menos desenvolvidos (Bruxelas, 2001), contra o racismo, discriminação racial, xenofobia e outras formas de intolerância (Durban, 2001), sobre o desenvolvimento sustentável (Johanesburgo, 2002), promovidos por essa instituição e apoiados também pelas diferentes Organizações Não Governamentais (ONGs).
As diferentes entidades da sociedade civil desde 2001, têm realizado vários Fóruns por países, regiões e continentes, como o Fórum Social Mundial (FSM) de Porto Alegre para lutar por “um outro mundo possível”, fora dos ditames do neoliberalismo. Organizações como o Observatório Social (Social Watch), entre outras, têm lançado mão dos indicadores sociais para monitorar a qualidade de vida no mundo, os direitos humanos, as liberdades políticas, a dívida externa dos países pobres e a biodiversidade, inclusive durante o FSM de 2002 foi construída uma Agenda Mundial das Políticas Sociais (Políticas Sociais..., 2002, p.89-91) entre outros documentos que dão ênfase a área social.
Schrader (2002, p.18) afirma que as tarefas mais importantes atualmente são entre outras: monitorar os conceitos de bem-estar e qualidade de vida, construir indicadores de bem-estar sintéticos e desenvolver relatórios sociais prospectivos.

Movimento pela Declaração do Milênio, por Salvatore Santagada*
08 de outubro de 2009 N° 16118
Jornal Zero Hora

Em setembro do ano 2000, a ONU, após o ciclo de diferentes cúpulas, pactos e conferências – sobre a educação para todos, sobre o meio ambiente, sobre os direitos humanos, sobre o desenvolvimento social –, estabeleceu oito Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) e 18 metas com prazos cronológicos delimitados. A Declaração do Milênio, com o apoio de 191 países, determina o compromisso compartilhado com a sustentabilidade do planeta e propõe a redução da extrema pobreza e da fome no mundo até 2015.

O Brasil foi signatário da Declaração, que é o maior instrumento de políticas públicas posto a serviço da sociedade civil e do planejamento do país, dos Estados e dos municípios e que é um chamamento à cidadania para a superação de suas adversidades na próxima década.
Notas
[1] Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (1966) e de Direitos Civis e Políticos.
[2] Rio+10”(...) compromisso de 180 nações foi assinada a agenda 21 [1992] para viabilizar um plano de ação estratégica para produzir um novo padrão de desenvolvimento. Para monitorar as políticas e ações foi criada a comissão de desenvolvimento sustentável pela ONU que recomendou metodologias e indicadores para serem produzidos pelos países e permitir a análise de dados sociais e econômicos de forma integrada com o Meio ambiente.” (FSP, 2002, p. A-3)
[3] Copenhague+5 (2000)

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

Convite - Oficina: Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio para os Municípios do Rio Grande do Sul


Artigo: O fim da era dos movimentos sociais brasileiros

IHU ON-LINE - 20/10/2009

"Os movimentos sociais que antes exigiam inclusão social ingressaram no Estado e foram engolidos pela lógica da burocracia pública", escreve Rudá Ricci, sociólogo, doutor em ciências sociais, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 20-10-2009.

Eis o artigo.

Entre muitas divergências, há um consenso entre estudiosos dos movimentos sociais: todos são formados a partir de espaços não consolidados das estruturas e organizações sociais. Ocorre que, nos anos 1990, muitos movimentos sociais se institucionalizaram.
Diversos ensaios recentes revelam essa forte institucionalização e segmentação política e social nas experiências associativas, além de avaliar o processo de participação social nas experiências de gestão participativa (como a do orçamento participativo).
Mesmo na América Latina, vários estudos (como o de Christian Adel Mirza, "Movimientos sociales y sistemas políticos en América Latina", publicado pelo Clacso) relacionam nitidamente aquele conceito de movimento social (não institucionalizado) com o Estado e instituições políticas dos países do continente.
Fica a dúvida: a "era dos movimentos sociais" teria terminado no Brasil? A fragmentação social em curso e a ampliação da participação da sociedade civil no interior do aparelho do Estado teriam reformatado o que antes denominávamos "movimentos sociais"? Os movimentos sociais brasileiros são representações ou parte integrante de anéis burocráticos de elaboração de políticas públicas?
Segundo o IBGE, 75% dos municípios brasileiros adotam alguma modalidade de participação da sociedade civil na determinação de prioridades orçamentárias na área social.
Motivados ou premidos pelas exigências constitucionais, pelos convênios com órgãos federais (dados importantes fornecidos pelo IBGE revelam que governadores e ministérios lideram a criação de conselhos de gestão pública paritários, muito acima das ações de prefeitos brasileiros) e Ministério Público, prefeitos de todo o país institucionalizam (e, muitas vezes, traduzem ou interpretam a partir de seu ideário peculiar) vários mecanismos de gestão participativa na deliberação de políticas locais.
Se localidades rurais, conselhos de desenvolvimento rural sustentável, de meio ambiente ou de bacias hidrográficas pululam. Se localidades urbanas, conselhos de saúde, assistência social e direitos da criança e do adolescente proliferam. Onde estariam os movimentos sociais que antes exigiam inclusão social e fim da marginalização política?
Estão todos nesses conselhos e nas novas estruturas de gestão pública.
Ao ingressarem no mundo e na lógica do Estado, poderiam construir uma nova institucionalidade pública.Porém, foram engolidos pela lógica da burocracia pública.
A multiplicação das conferências de direitos não foram incorporadas às peças orçamentárias na maioria dos entes federativos. Não alteramos a lógica de funcionamento e de execução orçamentária efetivamente.
O aumento da participação da sociedade civil na gestão pública também não ensejou mudança na estrutura burocrática altamente verticalizada e especializada do Estado brasileiro nas três esferas executivas.
Enfim, o ideário anti-institucionalista dos movimentos sociais brasileiros dos anos 80 converteu-se ao ideário do Estado que atacavam. Talvez por inconsistência teórica e programática, pautados pela mera negação ou pelo sentimento de injustiça. Mas, talvez, por excesso de partidarização dos movimentos sociais.
Nos anos 80, não por coincidência, Frei Betto sugeria que sindicatos, partidos e organizações sociais eram ferramentas do que denominava "movimento popular".
Tal concepção fomentou a criação da Anampos, organização nacional que articulava sindicatos de oposição à estrutura oficial do sindicalismo nacional e movimentos sociais.
O mundo sindical achou caminho alternativo ao ideário dos movimentos sociais e se afastou da Anampos.E os movimentos sociais?
Nos anos 90, eles se atiraram na tarefa de formalizar as estruturas de gestão pública participativa conquistadas na Constituição de 1988. Mas, a partir das estruturas criadas e com a eleição de Lula (o ícone do ideário dos anos 80), suas lideranças subsumiram à lógica do Estado. E não conseguiram mais se livrar dela. Basta analisarmos as pautas das conferências nacionais de direitos.
São, com raríssimas exceções, a agenda definida pelo governo federal.
Compreendo que esse é o cenário montado para o drama que se desenrola nos últimos dias quanto ao futuro do MST. Evidentemente, a organização popular mais poderosa do país, a única que ainda consegue gerar mobilizações sociais de massa, está se isolando politicamente.Isola-se a partir do governo que ajudou a desenhar, mesmo que apenas no seu esboço mais geral. E se isola porque seus aliados de antes estão imersos nos escaninhos do Estado.

Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/index.php?option=com_noticias&Itemid=18&task=detalhe&id=26744 Acesso em 21.out.2009.

Entrevista: A luta popular hoje deve ser anticapitalista

A luta popular hoje deve ser anticapitalista

Por Bárbara Mengardo, Fernando Lavieri, Hamilton Octavio de Souza, Lúcia Rodrigues, Marcos Zibordi, Renato Pompeu, Tatiana Merlino, Wagner Nabuco Fotos: Jesus Carlos

A historiadora, pesquisadora do CNPq, professora aposentada da Universidade Federal Fluminense e professora visitante na Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fiocruz, no Rio de Janeiro, Virgínia Fontes tem realizado excelentes estudos e reflexões sobre o Estado, a democracia e o desenvolvimento do capitalismo no Brasil. Sua contribuição para a compreensão da realidade brasileira se expressa também nos cursos de formação política tanto nos espaços acadêmicos e universitários quanto nas frentes de luta dos movimentos sociais.

Nesta entrevista exclusiva para Caros Amigos, ela analisa a crise estrutural do Senado, as mudanças processadas pelas forças do capital nos governos de FHC e Lula, os motivos da desmobilização dos sindicatos de trabalhadores, os partidos políticos, as eleições e as possibilidades de avanço das lutas populares, as quais, para ela, devem estar focadas na luta anticapitalista.

Fiquem com a entrevista.

Hamilton Octavio de Souza – Para começar, fale sobre você, onde nasceu e como se tornou historiadora e professora universitária.
Virgínia Fontes – Bem, eu sou filha de classe média modesta, aliás de um casal quase bizarro, meu pai era filho de estivador do cais do porto, único de uma família numerosa fazendo carreira no serviço público, e minha mãe era filha de uma família rica decadente do nordeste. Era tudo contraste. Estudei sempre em escola pública, nasci no Rio, sou carioca bem brasileira, de pai carioca e mãe pernambucana. Meu pai era do Banco do Brasil e depois passou para o Banco Central. Só estudei em escola pública, que eu me lembre, meus filhos também, aliás, isso foi uma questão de honra. Nasci num bairro muito modesto no Rio de Janeiro que era Marechal Hermes, depois meu pai melhorou de vida e foi para Laranjeiras, que é um bairro de zona sul, e aí teve muito filho, não agüentou o tranco em Laranjeiras e foi pra Jacarepaguá. Nós somos 7 irmãos, 3 mulheres e 4 homens. Depois eu saí muito jovem de casa, em plena ditadura, com 18 anos e resolvi fazer História porque era uma paixão, era o que eu curtia, queria entender o mundo, queria pensar o mundo com 18 anos. Quando eu tinha uns 15 anos eu fui fazer um teste vocacional, porque eu não sabia o que eu queria ser e aí o resultado do teste não me ajudou em nada, dizia que eu era pluri apta, pode fazer o que quiser. Resolvi fazer escola técnica para ganhar dinheiro, sofri três anos na escola técnica, descobri que aquilo eu detestava e fui pra História.

Fernando Lavieri - Qual o curso técnico?
Eletrônica, na escola técnica federal, a primeira turma de mulheres, era uma coisa divertidíssima, em plena ditadura, nessa época eu estava no PCB, saí logo depois também.

Tatiana Merlino - Seus pais tinham alguma militância política?
Não, nenhuma. Fiquei um tempinho no PCB, bem jovem, entre os 17 e 22 anos, depois me afastei, por várias razões. Tive filho, casei, separei, me casei de novo, tive filho. Aí estudava, trabalhava, tinha dois empregos mais filho mais estudo, então você imagina que era uma vida fácil. Eu sei bem o que é mulher no mundo contemporâneo: acorda às 6 da manhã, fica com filho até às 9, embarca para o trabalho, leva as crianças pra creche, volta, pega as crianças, vai, estuda um bocadinho, enquanto amamenta lê alguma coisa.

Lucia Rodrigues - A sua militância no PCB foi no movimento estudantil?
Foi no movimento estudantil secundarista. Pouco tempo depois eu me afastei, esse é um período em que o PCB começa a ser muito perseguido, foi na segunda metade dos anos 70, e quando começa também a mudar de perfil. Eu era bastante rebelde, não cabia muito bem, digamos assim, nos esquemas e me afastei, fiquei mais estudando. Passei uns 10 anos afastada da militância e mais estudando. Sempre fui muito estudiosa, então fiz a faculdade de História, depois o mestrado em História na Universidade Federal Fluminense e depois o doutorado na França com alguém que virou um grande amigo e que faleceu recentemente, que é o Georges Labica, que escreveu aquele livro que está saindo pela Editora Expressão Popular, que tem até uma introduçãozinha minha.

Marcos Zibordi - O que estudou no mestrado e doutorado?
História do Brasil Contemporâneo, Teoria da História e Marxismo, são áreas que eu trabalhei. Eu continuo nelas até hoje, só que eu acrescentei mais uma que é História Contemporânea. No mestrado eu fiz uma dissertação sobre a questão habitacional, na época do fim do Banco Nacional da Habitação. Depois no doutorado, na França, eu fiz uma tese sobre o pensamento democrático no Brasil, e agora sou pesquisadora do CNPq. Só para explicar o que eu estou fazendo há uns 10 anos, venho trabalhando muito intensamente com formação política no movimento social, principalmente com o MST. Aliás é uma das atividades da qual eu me orgulho, é a participação nos cursos que o MST consegue nas universidades e nos cursos da Escola Nacional Florestan Fernandes. Trabalhei muitos anos na Universidade Federal Fluminense, onde eu fui precocemente aposentada por engano da burocracia, não foi engano malvado, foi engano burro, mas me aposentaram.

Lucia Rodrigues - Como analisa a crise do Senado? Dá para dizer que é uma crise institucional ou é uma briga entre caciques que se desentenderam por vários motivos?
Eu diria que tem as duas coisas, os dois processos não estão separados. Se a gente for pensar em longo prazo, eu venho analisando isso da seguinte forma: a partir de 89, mais ou menos, a condição de que seja possível manter uma estrutura representativa tal como ela existe agora, depende de conseguir figuras públicas aparentemente limpas, figuras públicas que tenham uma trajetória, não só aparentemente limpas, mas que vêm de uma trajetória capaz de neutralizar os movimentos sociais, que é mais importante ainda do que o aparentemente limpas. Vamos lembrar um pouquinho pra trás que o Fernando Henrique Cardoso, quando foi candidato, veio de uma trajetória da esquerda, embora a gente já sabia que o FHC já tinha mudado esta trajetória, porém essa mudança ainda era incipiente, uma mudança inicial. Ninguém imaginava que o governo Fernando Henrique fosse, por exemplo, investir contra os petroleiros da maneira como investiu, isso era impensável, nem contra os direitos dos trabalhadores. Portanto, Fernando Henrique neutralizou uma parcela da intelectualidade de esquerda nessa ida dele para o governo, quem quis se iludir se iludiu, mas em parte achava que Fernando Henrique já vinha de uma associação com o PFL, a gente já sabia qual era a associação que estava feita no começo. Mesmo assim isso permitiu neutralizar setores de classe média incomodados com o processo, e alguns setores inclusive de movimentos, de um tipo de movimento social que é o que eu chamo da filantropia mercantilizada, que são movimentos que começam populares e vão se tornando pouco a pouco militância paga em entidades mais ou menos filantrópicas. É quando a questão das classes sociais no Brasil deixa de ser um problema de classe e começa a ser um problema de pobreza. Deixa de ser uma questão de luta comum e passa a ser uma questão de filantropia, um problema da pobretologia.

Renato Pompeu – E qual a ligação com o Senado?
Isso é para chegar ao Senado, né. O segundo movimento é o Lula, esse movimento é mais importante ainda. Se o FHC já cumpre esse papel de levar para o conjunto das instituições de representação política no Brasil uma espécie de aparência limpa, apesar do braço dado com o PFL, a eleição do Lula tem papel muito mais importante para estabilizar o chamado jogo burguês no Brasil, uma vez que ela consolida essa trajetória que já vinha sendo feita antes, mas agora com mais cacife, pois agora traz a CUT,traz uma parcela grande do PT, liquida politicamente o elo que este partido tinha com os movimentos de base, não só liquida o elo como converte essa ligação numa ligação adequada para o jogo político. Lógico que em todos os casos isso significa que há um adiamento das condições da crise institucional e há um mergulho desses partidos limpos, entre aspas, dessas pessoas limpas no mundo da representação razoavelmente falseada. Acho que isso é um problema grave. Eu discuti isso num artigo dizendo que o PT se deslocou do papel ético-político – que o Gramsci sugere – para o papel de definidor do que seria o papel moral, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso. O resultado disso é que ele perdeu o horizonte ético, que era o horizonte principal e que devia estar ligado com os movimentos de base. Portanto eu acho que o problema do Senado é um problema estrutural nosso, primeiro nós temos uma estrutura representativa problemática, nós temos um sistema bicameral que é outro problema.

Lúcia Rodrigues - Você defende a extinção do Senado?
Eu não defendo a extinção do Senado instantaneamente. Do ponto de vista de uma transformação real da sociedade brasileira isso não virá através das instâncias eleitorais e nem das instâncias representativas. Nós já sabemos disso, já temos a experiência, já vimos o que foi eleger o PT e, sobretudo o Lula mais até que o PT, e ele simplesmente
se converter no mesmo, porque o jogo político é uma máquina de produzir o mesmo. Então a luta popular tem de saber que ela tem de se manter para além dos seus representantes, não ser subordinada à representação.

Renato Pompeu - Por que na Bolívia e na Venezuela foi possível surgirem governos transformadores a partir da luta eleitoral?
OK, eu vou chegar lá, deixa eu só terminar o nível do Senado por que eu acho que isso é uma coisa importante. É pra extinguir o Senado? A princípio eu acho que sim, eu acho que o Senado, para uma democracia representativa burguesa limitada, tal como ela é, o Senado não é necessário. É perfeitamente possível operar de forma unicameral, é menos não democrático, pois não chega a ser necessariamente mais democrático. O sistema bicameral é um sistema de controle de uma câmara alta que controla uma câmara baixa, a câmara que é mais representativa ela tem um papel menos importante, o filtro fica no Senado. Isso eu não estou fazendo uma campanha pelo fim do Senado, a campanha que eu faço é que os movimentos populares saibam que não vai ser via processo eleitoral que eles vão resolver. Agora a gente chega ao caso da Bolívia e da Venezuela: eu acho que tem uma diferença grande sim entre Brasil, Bolívia, Venezuela e Equador, uma diferença importantíssima que é o grau de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, e junto com o grau de desenvolvimento do capitalismo no Brasil a capacidade de organização burguesa brasileira. Acho que a gente não leva suficientemente em conta, nós vivemos num país que ao longo do século 20 foram proibidas e reprimidas na violência as formas de organização populares e dos setores dos trabalhadores, porém
foi estimulada, apoiada assegurada e garantida a associatividade empresarial.

Marcos Zibordi – O que isso significa?
Pra gente ter idéia do que isso significa, no Estado Novo foi proibida a livre associação quando o governo baixou o decreto do sindicalismo corporativista, o decreto também valia para todo sindicato patronal e de trabalhadores. Enquanto para os sindicatos de trabalhadores esta lei foi imposta a ferro e fogo, os sindicatos que tentaram se manter contra o corporativismo foram fechados e os seus sindicalistas perseguidos. Para o patronato isso nunca aconteceu e eles tinham placa na porta, eles tinham, têm, pois até hoje existem Fiesp e Ciesp, Firjam e Cirjam. Em suma, eles mantiveram uma dupla representação, uma que era oficial institucional e outra paralela, a paralela pode para eles. Então a gente tem aqui uma violência seletiva popular.

Hamilton Octavio de Souza - O que diferencia a situação brasileira?
A gente tem hoje uma forma de organização burguesa no Brasil que foi justamente capaz, a partir da década de 90, não apenas de atacar a espinha dorsal do movimento popular e do movimento dos trabalhadores na virada dos anos 80 para os anos 90,como em parte incorporar uma parcela destes movimentos. Isso que eu acho o mais dramático. Qual foi a estratégia que se usou para isso que nos distingue bastante da Venezuela e da Bolívia? A estratégia primeira foi a formação da Força Sindical, que foi a cunha que impôs à CUT uma adequação na massa. Essa foi a primeira, feita com o apoio patronal. A segunda foi o volume de demissões na década de 90. A terceira foi a precarização do trabalho como forma normal. E a quarta, que não é irrelevante e que tem a ver com o jogo político parlamentar, embora não apareça, foi exatamente o empresariamento das formas de organização difundidas no país, que na década de 90 dá um salto enorme com Fernando Henrique, é o salto das ONGs. A palavra ONG não explica tudo, eu tomo muito cuidado quando uso, porque ONG é um pedacinho das fundações e associações sem fins lucrativos, que, segundo o IBGE, são 340 mil no último censo feito em 2005. Tirando os sindicatos, tem mais de um milhão de trabalhadores nessas entidades, tem mais que o serviço federal todo, com salário de mil reais em 2005. Nós temos uma rede hoje que é uma rede de organização burguesa. Portanto, diferentemente da Bolívia ou da Venezuela, onde não houve nenhum espaço de incorporação de nada, onde a burguesia local é uma burguesia pequena, restrita, uma burguesia com uma configuração bastante diferente da burguesia brasileira, eu diria que nós hoje estamos num país capitalista desenvolvido. É o que eu venho trabalhando. Um país capitalista desenvolvido significa que a burguesia tem meios, tem recursos, tanto de sedução quanto de violência, e eles usam os dois. A novidade é que o recurso de sedução cresceu muito, de convencimento, cresceu a extensão das bolsas, a extensão dessa rede cultural associativa, é uma dimensão de convencimento quase capilar, isso está no cotidiano.

Para ler a entrevista completa e outras reportagens confira a edição de setembro da revista Caros Amigos, já nas bancas, ou click aqui e compre a versão digital da Caros Amigos.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Seminário de Políticas Sociais - Fórum Social Mundial 2010

A idéia de um Seminário de Políticas Sociais nasceu no contexto de preparação do Fórum Social Mundial de 2002, realizado em Porto Alegre, RS, Brasil. Um coletivo de entidades da sociedade civil ligadas a diversas áreas de atuação construiu a proposta e realizou o primeiro seminário trazendo intelectuais e militantes de várias partes do mundo que conduziram a reflexão fazendo um balanço e apontando perspectivas para o campo das políticas sociais. Esta experiência se repetiu ainda em 2003 e 2005, acompanhando as mudanças no cenário brasileiro, latino-americano e mundial resultando também na publicação de materiais com subsídios para a discussão proposta.
No ano em que o Fórum Social Mundial completa 10 anos de história e Porto Alegre realizará um Seminário de Avaliação dos processos desencadeados por este grande movimento mundial por um “outro mundo possível”, é fundamental que se retome a idéia que originou a proposta do Seminário de Políticas Sociais, resgatando o debate travado nos seminários anteriores e olhando para o contexto atual. Para tanto se propõe a realização desse 4º Seminário de Políticas Sociais que articulará as entidades e organizações envolvidas nos seminários anteriores e procurará agregar outras visando a discussão de questões fundamentais a partir de contextos diversos.
O tema escolhido para este seminário – O papel público das políticas sociais na garantia de direitos – busca enfocar o momento atual em que se percebe o abandono progressivo da idéia de um Estado mínimo e uma responsabilização crescente dos governos pela implantação e implementação das políticas sociais tendo em vista a necessidade de uma integração, agora sob outras bases, entre o poder público e as organizações da sociedade civil, avaliando e reconfigurando os papéis de ambos.